Adriana Angelina da Silva, de 49 anos, se viu sem opção após ter perdido o emprego na pandemia e ficado sem condição de pagar o aluguel. Ela, que é mãe e avó, decidiu construir sua casa em um terreno baldio na zona leste da capital paulista. Agora, depois de dois anos, a família de Adriana e outras 800 que moram na Ocupação Jorge Hereda são ameaçadas de despejo. De acordo com o Mapeamento Nacional dos Conflitos pela Terra e Moradia, São Paulo é o estado brasileiro com o maior número de famílias ameaçadas de sair dos seus lares, contabilizando mais de 65.650.
O levantamento é da Campanha Despejo Zero. Dessas, quase metade (32.292 famílias) está localizada na capital. Na sequência vem Carapicuíba, com 10.600 famílias ameaçadas de despejo, e o restante dividido em 46 municípios do estado.
“O terreno onde estamos ficou abandonado por cerca de 40 anos e não tinha nenhuma percepção de construção de praça, parque ou nada que agregasse os moradores da região”, explicou Adriana ao R7.
De acordo com ela, que foi uma das primeiras a construir sua moradia no local, em 2021, muitas famílias que vivem na Ocupação Jorge Hereda eram pessoas em situação de rua, mães solteiras ou em extrema vulnerabilidade. “Alguns deles moravam em tendas com crianças, e começamos a crescer. A maioria daqui é trabalhadora. Estamos com problemas de água e luz, mas progredindo aos poucos”, afirma.
O segundo estado com o maior número de famílias que podem ser despejadas de seus lares a qualquer momento é o Amazonas, com 32.742 e, na sequência, Pernambuco, com 21.591.
Segundo a engenheira ambiental e urbana e mestre em planejamento e gestão de território Talita Anzei Gonsales, boa parte das famílias é ameaçada de despejo justamente por estarem em ocupações, favelas ou em locais de risco. “A justificativa que dão a essas pessoas é a questão do conflito pela posse, o impacto de obra pública ou por estarem em áreas de proteção ambiental”, ressalta.
Adriana, que atualmente trabalha como auxiliar de cozinha, conta que as pessoas da comunidade onde mora se juntaram para processar o grupo Savoy, empresa que pediu a reintegração de posse do terreno. A equipe de reportagem entrou em contato com a empresa para saber o motivo da iniciativa e aguarda um posicionamento.
“Eles já pediram reintegração de posse, nós fomos nos congressos, conversamos, fizemos cartas, porque são 800 famílias aqui, e todos os dias chegam mais. Estamos lutando para ganhar essa terra para a população carente”, ressalta a auxiliar de cozinha.
A Campanha Despejo Zero é realizada por movimentos sociais e ONGs. O estudo, realizado pelo grupo, revela, ainda, que o estado de São Paulo contabiliza ao todo 318 conflitos mapeados, sendo a Ocupação Nova Laranjeiras, localizada no Jardim Iguatemi, também na zona leste da capital, o maior deles, com 7.500 famílias ameaçadas de despejo. Todos esses números, entretanto, podem estar subnotificados.
Público
Contabilizado pelo Brasil inteiro, os ameaçados de despejo representam pouco mais de 1 milhão de pessoas. Desse público, 680.581 (66%) são negros, 618.710 são mulheres (60%), e há ainda 176.332 crianças e 173.239 pessoas idosas.
Para Gonsales, que, além de engenheira é integrante da Campanha Despejo Zero, essa população fica mais exposta porque, até por meios de dados nacionais, é possível saber que negros, mulheres, idosos e crianças acabam sendo mais vulneráveis. “São pessoas que não têm alternativa de onde morar”, afirma.
A especialista ainda ressalta o fato de que, quando a remoção dessas famílias ocorre, “desestrutura totalmente a vida delas”. “Elas não perdem só a moradia, mas também o serviço de saúde, vaga da criança na creche, vínculos comunitários e outros benefícios que estão ligados ao endereço.”
Quais as possíveis soluções para isso?
Ainda segundo Talita Anzei Gonsales, a solução para que essas famílias mais vulneráveis não tenham que deixar seus lares sem outra opção é, inicialmente, pensar em uma suspensão dos pedidos de despejo, “porque não dá para elaborar um plano de uma hora para outra, são necessários recursos e vontade política para isso”, pontua.
Além disso, Gonsales mostra que, nos últimos anos, os preços de aluguel se elevaram, tornando a situação ainda mais difícil para famílias vulneráveis.
“Precisamos de políticas públicas de habitação, pensadas não somente nas famílias que necessitam desse apoio, que é a produção habitacional, mas em termos de cidades mesmo, produzindo infraestrutura urbana, acesso a saneamento básico, aos órgãos públicos em geral, mas, esse caso, é mais em longo prazo”, afirma a especialista, que acredita que os governos também devam pensar nessa população.
Segundo ela, as empresas, prefeituras e outros órgãos que fazem as ameaças de despejo precisam avisar as vítimas o quanto antes, o que não ocorre. “Elas são informadas perto da data de despejo e não têm como se preparar”, diz.
Às famílias que estão sendo ameaçadas, Gonsales aconselha a buscar, primeiramente, a defensoria pública para apoio jurídico. Além disso, a pedir ajuda por meio de campanhas, como a Despejo Zero, que já tem experiência em estratégias de resistência e luta por permanência qualificada e, por fim, a se organizarem internamente na comunidade.